terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Novo Artigo publicado no Jornal Da Ciência

Este Artigo é uma resposta ao Senhor Candido Mendes e o dedico a Alain Tourraine

JC e-mail 3903, de 03 de Dezembro de 2009.

24. Sobre pererecas e desenvolvimento, artigo de Alexandre Guimarães Vasconcellos e Celso Sanchez

"É triste ver que o que temos de especial para mostrar ao mundo no terceiro milênio ainda é tratado como lixo"
Alexandre Guimarães Vasconcellos e Celso Sanchez são biólogos e professores. Artigo enviado pelos autores ao "JC e-mail":

Recentemente foi noticiado pelos jornais que uma perereca rara de nome Physalaemus soaresi interrompeu a principal obra do PAC no Estado do Rio de Janeiro. Isto ocorreu porque parte dos 77 km deste fundamental empreendimento, o Arco Metropolitano, que ligará Itaboraí ao porto de Itaguaí, passaria por cima de sua única moradia nesse planeta.

Ao invés de ser um fato amplamente comemorado, por se tratar da preservação de uma espécie endêmica do nosso estado, foi duramente criticado pelo governo que se viu ultrajado pelo relatório técnico de um funcionário de quarto escalão que resultou na paralisação da obra em respeito à legislação ambiental.

Ficamos pensando por que o Brasil, com a maior riqueza em biodiversidade do mundo, recebe apenas cinco milhões de turistas por ano, enquanto a França recebe 78 milhões, a Itália 40 milhões e a Inglaterra 32 milhões.

Lemos uma reportagem sobre a construção da linha 3 do metrô de Roma, em que os arqueólogos - que vão à frente dos construtores - comentam eufóricos que encontraram algo fantástico, "um auditório romano do século II", que provavelmente atrasará por vários meses a obra do metrô, além de gerar a mudança do traçado original.

Notamos a diferença no tratamento da matéria. Enquanto no Brasil a perereca apelidada como Norminha é vista como um entrave ao desenvolvimento, lá a manchete é outra: "Obras do metrô de Roma revelam tesouros arqueológicos". A verdade é que aqui nossos tesouros são tratados como algo inoportuno, ficando evidente a cegueira diante do potencial da biodiversidade. Percebe-se neste caso que o Brasil ainda não descobriu o Brasil.

Enquanto vários quilômetros foram mantidos desocupados na Inglaterra ao redor de Stonehenge, para que o monumento pudesse ser preservado junto com sua paisagem, aqui a primeira ideia foi cercar a perereca com placas de metal, para que, uma vez confinada e finalmente esquecida ou extinta, não mais atrapalhasse os planos da estrada.

Por lá os movimentos de defesa do patrimônio são vistos como aliados dos avanços sociais e culturais e por aqui, por incrível que pareça, em pleno século XXI, os defensores do meio ambiente são vistos como ecochatos e propagadores de um nuveau richisme.

É triste ver que o que temos de especial para mostrar ao mundo no terceiro milênio ainda é tratado como lixo. Imaginem se os governantes de Roma tivessem removido uma construção velha chamada Coliseu, ou se os governantes de Piza tivessem pensado: "Esta torre já está caindo mesmo...". Será que eles teriam o volume de turistas que têm hoje?

Além da questão do turismo com foco nas riquezas da biodiversidade brasileira, não devemos esquecer que em uma espécie de nossa fauna ou flora pode estar presente a cura para alguma doença que aflige nossa população. Para exemplificar, podemos citar pesquisa divulgada pela Agência Fapesp, realizada pelo Instituto Adolfo Lutz e pelo Instituto Butantan, que identificou dois esteroides no veneno do sapo-cururu capazes de destruir o parasita causador da leishmaniose visceral.

O ser humano só tem a possibilidade de cuidar e de respeitar aquilo que faz parte de seu universo simbólico. Por isso, precisamos ensinar aos jovens brasileiros sobre os nossos tesouros materiais e imateriais. Caso a forma deles pensarem transcenda a atual, teremos algo de especial para mostrar ao mundo em 2016 e 3016.